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Julgamentos Virtuais

Não é novidade a berlinda da Justiça brasileira. Nos ambientes mais íntimos de sua atuação será dito ela nunca deixou a polêmica.

É, aliás, verdade que, dos períodos republicanos de (relativa) estabilidade constitucional aos de exceção das liberdades e do Estado de Direito, a Justiça é tema presente de reflexão e debate. Sua maior ou menor eficiência são, em todos os momentos da história, um significativo traço da vida nacional.

Tê-la, então, em (nova) berlinda não constitui propriamente novidade.

A novidade está na busca - sôfrega e um tanto empírica, às vezes - da eficiência e dos meios de atendimento do (novo) princípio constitucional imposto na última "Reforma do Judiciário" (a duração razoável dos processos - art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal).

As Côrtes do país, espremidas nos seus prédios por literal montanha de processos - que beiram, na atualidade, a cem milhões de cadernos em papel, em andamento - e censurada por "timings" críticos de solução, buscam o socorro da tecnologia da informação.

Tribunais intensificaram, nos últimos anos, o fator de automação do processo.

A substituição do papel como matriz de condução dos dados dos conflitos e das decisões dos juízes é uma realidade que já aproxima a estatística, hoje, de um milhão de litígios totalmente informatizados no país.

Petições, pareceres, provas, totalmente eletrônicos, grafados e gravados como dados em bases magnéticas de armazenamento, e o seu tráfego telemática são o novo signo dessa "justiça eletrônica" que, longe de começar, intensifica e se ramifica por juízos estaduais e federais.

Mas um ponto do fenômeno começa a chamar a atenção e a convocar, de novo, a velha polêmica.

Trata-se das pautas - ou plenários - virtuais.

O que são? Trata-se da possibilidade de órgãos de revisão - as Côrtes de análise dos recursos das decisões de primeiro nível - implementarem o reexame dos processos sob forma automatizada.

Não se trata propriamente da substituição dos votos em papel de Desembargadores e Ministros por arquivos computacionais.

É bem mais. Sintetiza a total integração entre esses julgadores - em sua atuação colegiada - sob exclusivo vínculo computacional-eletrônico.

Os votos são compostos e comunicados, entre eles, com uso apenas de sistemas, rêdes, e protocolos informáticos e telemáticos. Na prática, uma troca de mensagens eletrônicas contendo as decisões definitivas dos litígios. O julgamento passa a ser a totalização eletrônica desses votos, sem que haja sessão clássica, ou, a reunião pública-presencial, entre eles, para isso.

O precursor da medida foi o próprio Supremo Tribunal Federal - que, em 2010, através de Emenda a seu regimento interno (Emenda Regimental 42/2010) previu o julgamento da repercussão geral (um quesito de análise dos recursos que contêm matéria constitucional) sem contato colegiado-presencial de seus Ministros. A medida foi implantada na Corte em abril/2011.

Os Ministros, embora não unanimemente atados na implantação da novidade, prosseguem na difusão dos julgamentos da repercussão geral sem as sessões públicas correspondentes - o Ministro Marco Aurélio de Mello tornou conhecida a sua visão contrária ao mecanismo (como ocorrido no julgamento do Agravo de Instrumento 841.548, do PARANÁ, quando afirmou: "....o sistema excepciona a regra relativa à necessidade de o Colegiado reunir-se. Os Ministros atuam sem a indispensável discussão da matéria e troca de idéias. Fui voz isolada quando da alteração regimental para que o mecanismo fosse instituído com o objetivo único de definir a existência de repercussão geral e entendo ainda mais inadequado, a todos os títulos, o julgamento de fundo do próprio recurso extraordinário em tal campo, deixando-se de observar a regra da reunião dos integrantes do Tribunal."

A Seção Federal da Ordem dos Advogados do Brasil já se pronunciou, também, contrária à supressão do julgamento público por pautas virtuais.

Realmente, não se pode permitir que a publicidade dos julgamentos - que constitui dogma constitucional (do art. 93, IX, da Constituição) - seja simplesmente inibido por instrumentos e ferramentas de pautas ou plenários virtuais.

É preciso conjugar os arriscados, mas, inovadores coeficientes da aplicação com a duração razoável do processo.

A pauta virtual, no que afasta a reunião presencial dos julgadores dos Tribunais, não pode consagrar clandestinidade dos julgamentos, o que constituirá grave atentado contra a Constituição e o Estado Democrático de Direito, cujo pilar da transparência e do controle público de seus métodos e atores estão acima dos instrumentos de gestão judiciária.

O alerta é importante quando a ferramenta começa a chamar a atenção de Tribunais onde se encontra a maior massa de processos.

Na esteira do Supremo, os Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro e de São Paulo também já institucionalizaram seus Plenários Virtuais, em agosto e setembro/2011. E o fizeram com preocupante alargamento dos temas recursais passíveis de análise sob a forma inovadora.

O Tribunal carioca, através de sua Resolução RESOLUÇÃO 13/2011, definiu pauta eletrônica para o julgamento de agravos interno e regimental e para embargos declaratórios. Teve o cuidado, no entanto, de assegurar que as partes possam se opor à ferramenta e pedir o julgamento público presencial (embora "a posteriori" da publicação do resultado do julgamento) e de não adota-la quando houver divergência de votos. Teve ainda o mérito de prever a necessidade da sessão pública para o anúncio do resultado.

O Tribunal paulista, por sua vez, emitiu a Resolução 549/2011. Sob invocação da existência de meio milhão de recursos a analisar, a norma institui plenário virtual com largo alcance: para julgamento de agravos internos, regimentais, embargos de declaração, e, ainda, de apelações, mandados de segurança e habeas corpus originários. Destaque-se, também aqui, o cuidado da Corte: assegurou prévia oportunidade de oposição à sistemática pelas partes envolvidas no litígio, e a sustentação oral por advogados, em sessão convencional.

O Conselho Nacional de Justiça, órgão maior de controle administrativo dos Tribunais, também já implementou seu mecanismo de julgamento virtual.

Enfim, está aberta, no país, a era da virtualização dos próprios julgamentos colegiados dos Tribunais. Os quase noventa Tribunais restantes seguramente usarão os precedentes do Supremo e dos dois co-irmãos do Sudeste para instituírem suas pautas virtuais.

Espera-se, no entanto, que o comedimento e a lucidez preponderem nestas iniciativas, para resguardo da publicidade dos atos jurisdicionais.

E, para isso, sugere-se que, além da oportunidade de prévia oposição, pelas partes interessadas, também o ato crucial de autenticação eletrônica dos julgamentos - o momento da assinatura digital (uso da criptografia de armazenamento eletrônico do dado decisório do litígio) - seja inserido em sessão pública, para que a personalíssima atuação do julgador, por sua indelegabilidade, seja presenciada por atores de controle (Ministério Público, Advogados, partes) no crucial momento de validação do ato que define o conflito.

Observadas estas garantias, não haverá, contra a pauta virtual, possibilidade de enfrentamento razoável e sua utilidade, na redução da massa insuportável de julgamentos pelos Tribunais, se tornará ganho histórico para a Justiça brasileira.