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Cybertribunal

Não passou desapercebida a repercussão da notícia dada pela Gazeta Mercantil (edição do dia onze último - Caderno Minas Gerais), da implantação de sistema de vídeo-sustentação no Tribunal Regional Federal (TRF) da Primeira Região, com sede em Brasília.

O benefício, agora disponibilizado à população de 13 Estados sob jurisdição daquele Tribunal, será imenso para atividades do próprio Tribunal e para os serviços prestados por numerosos advogados, que poderão se liberar dos encargos de comparecimento a sessões de julgamento da Côrte.

Merecedora de encômios a modernizante iniciativa do Presidente do TRF/Brasília, Tourinho Neto, que pôs em marcha a inovação, disponibilizando-a como valor agregado aos serviços do Tribunal. Mas, se mérito técnico reúne a valorosa iniciativa, muito mais representa, como componente, ou marco histórico, verdadeira pedra fundamental cibernética, para o surgimento de uma nova era, que se pode dizer de rompimento de paradigmas clássicos que, através de um amplo e complexo conjunto de motivadores, terminou por engessar, na atualidade, parcela significativa das expectativas de progresso de áreas da atividade nacional.

Falando da realidade judiciária brasileira com a retórica voltada para o seu símbolo clássico, o processo judicial, esse infindável elemento físico, de formalização e abrigo de litígios e disputas sociais, e deixando, de lado, vertentes científico-jurídicas usualmente examinadas para solução da equação que define os serviços da Justiça Brasileira, é preciso extrair um pouco mais do significado modernizante que a inovação promovida pelo TRF/Brasília acarreta.

A aparência de uma mera estrutura de videoconferência, quando voltada para atividade acentuadamente técnica e específica, como o é a que se atribui à finalidade de sustentação oral, por advogados, em causas levadas aos Tribunais, traz o risco de não se ver, nela, mais do que o benefício, em si, que trará à dinâmica da específica atividade onde instalada.

Pelo ineditismo, ela prenuncia outras maiores mudanças do que a inovação em determinado ato do julgamento. Altera mesmo o conceito, a razão lógica, o paradigma, em si, com o qual a jurisdição técnica, como serviço público a cargo do Estado, vem sendo, ao longo dos tempos, prestado ao conjunto da população. Quem esteja habilitado, pelo convívio freqüente, a sentir a angústica da lida diária com centenas, ou milhares, de cadernos físicos, nos quais juntados documentos, pleitos, e formalidades, colhidos, dia-a-dia, hora-a-hora, ao longo de meses, anos, às vezes décadas, nos balcões das Secretarias das milhares de unidades judiciárias de todo o país, poderá aquilatar o tamanho da inovação que o TRF promove com a sua vídeo-sustentação.

Rompe-se, com ela, o conceito de que o serviço judiciário, de ponta-a-ponta, não possa ter o préstimo da tecnologia avançada. Rompe-se a idéia de que o tête-a-tête deva permanecer entre o corpo de profissionais que, em nome do Estado, prestem o serviço, e o que representa a população, nos pleitos e litígios.

Inaugura-se, na Justiça, o conceito de que vias rápidas de transmissão de dados, as broadband, possam servir à progressiva substituição de atos ou etapas físico-presenciais do julgamento. Perde-se o receio do novo, confiando-se na segurança e capilaridade de rêdes e técnicas de transmissão de dados, já disponibilizadas em nosso país.

Transporta-se, para o nível formal-clássico da atividade judiciária brasileira, a ponta da tecnologia de transmissão de imagens, destinada agora a julgamentos.

Passa-se, no nível da administração dos serviços de Tribunais, à lida com elementos inovadores, como os da interconectividade, da abordagem remota, da bidirecionalidade telecomunicativa, da compressão e compactação de dados (imagens e sons) como meio de transmissão rápida de conteúdos, da criptografia como elemento de segurança de fidelidade nas telecomunicações, da velocidade e confiabilidade das rêdes, e da própria digitalização, como técnica de amostragem e representação de elementos físicos.

Assume-se a idéia dos eventos não apenas transmitidos ou assistidos à distância, mas verdadeiramente interativos, interatividade direcionada não a fato social-informal, mas à prática efetiva, e “real time”, do ato técnico do processo judicial.

É o início, pode-se dizer, da derrocada da obcessão que fez história também no âmbito da Justiça, vendo, sempre, no elemento físico, dos cadernos de papéis, símbolo de uma tipologia imutável, ou, de um modelo intocável, uma psicológica garantia, de manuseabilidade, resumo da resistente refração à introdução de conceitos novos, atuais, como o do e-paper e do e-book.

O serviço judiciário brasileiro não se distingue das demais atividades, em sua particularidade de exigir mudanças. Distingue-se, na especialidade, que é exasperadora, de, gerindo interesses sociais vitais e preponderantemente litigiosos, precisar mudar segundo o “timing” da vida real e da modernidade que a informa, e não mais no da ilusão.

Claro que o conseguirá por união de forças que sintetizem a alteração de instrumentos legais e técnicos de ação, mas, até que esta bonança de alterações chegue, não pode conviver, um dia mais sequer, sem cuidar da agônica situação estrutural, definida pela burocracia e pelo convecionalismo de critérios e procedimentos internos. Algo precisa ser feito em favor da razão que nos levou à convivência com enormes pilhas de cadernos físicos, de documentos envelhecidos pela ação do tempo, e com a solene romaria de deslocamentos e atos presenciais antieconômicos, contrários aos recursos disponíveis de tecnologia.

Num Brasil exausto de decantar suas imensas dimensões continentais e de extremas dificuldades econômico-financeiras, não se pode prescindir do uso, imediato, em todos os níveis, dos benefícios das telecomunicações e da alta tecnologia de transmissão de dados. Redes capilarizadas nas várias regiões do território nacional, backbones de alta capacidade instalados em áreas densamente povoadas e com teledensidade mostrando disponibilização de infra-estrutura para tráfego de voz e dados, modelos negociais cada vez mais variados para consumo desses serviços, definem a razão pela qual a atividade pública em geral, e, particularmente, os serviços judiciários, estão a exigir solução equivalente à do TRF/Brasília.

A adoção, na Justiça, da tele ou videoconferência, a implementação do próprio processo judicial integralmente digital, com a digitalização dos conteúdos que estão ainda transformados em elementos físico-documentais (os clássicos cadernos processuais), permitirão, em favor da administração pública e do erario, melhor equacionamento da relação custo/benefício, com redução de exigências de mão-de-obra, guarda de processos, e atendimento ao público, além de maior agilidade na tramitação de atos processuais (que, de manuais-físicos, passarão a “virtuais”).

Para usuários dos serviços, especialmente os advogados, se assegurará melhor economia de tempo, acesso remoto a atos e a julgamentos, redução de equipes, rapidez de abordagem a juízos e Tribunais, inclusive com possibilidade de franqueamento remoto de imagens (de julgamentos, de processos) à própria clientela, o que resultará em melhor confiabilidade dos serviços, e em modalidade avançada de prestação de contas dos mandatos profissionais.

Para prestadores de serviços de telecomunicações, mais um nicho de mercado consumidor de tráfego de dados se produzirá, com melhor equacionamento do uso das rêdes de alta velocidade, pelo consumo corporativo-público que os serviços judiciários irão representar. Haverá a possibilidade, ainda, do surgimento de novas atividades profissionais, como a de coleta on-line de dados estatísticos dos serviços judiciários, porque, transformados em dados digitais os conteúdos processuais, ter-se-á, com eles, excepcional fonte informativa dos segmentos litigiosos e não-litigiosos da atividade brasileira, a alimentar bancos de dados.

Se se acrescentar, a estas possibilidades, as mutantes vertentes do mundo das telecomunicações - a próxima implementação da geração 3G da internet, com possibilidade de transmissão/recepção de dados em mobilidade (uso de hand-helds, lap-tops), a extensa constelação de satélites e estações terrenas que iniciam operação no Brasil, o próprio crescimento das rêdes ópticas, que passarão a aproximar-se do conceito americano FTTH - Fiber to The Home, a implantação do novo padrão de TV digital - HDTV, com a conseqüente convergência tecnológica a unir mídias variadas em uma só estrutura - ver-ser-á o contrasenso a que equivale não inserir-se o serviço da Justiça na ampla modernidade disponível no Brasil.

O Brasil, contemplado com modelo desestatizante e regulatório de telecomunicações, que lhe proporcionou extraordinária performance em quatro anos, atingindo mais de setenta milhões de usuários atendidos por telefonia fixa e móvel, aos quais assomam outros mais de dez milhões de internautas conectados à rêde mundial de dados, atinge posição privilegiada no “ranking” mundial de crescimento de serviços de telecomunicações, o que o obriga, por razão lógica e estrutural, a manter melhor equação econômica em seus serviços públicos internos. Oxalá venha então a se instalar, na Justiça, a febre desta modernidade, com novas atividades começando logo a se desenvolver no âmbito dos Tribunais, com visão voltada para uso das possibilidades do nosso cyberespaço.

Por agora, o momento é de festejar o marco histórico, do surgimento do primeiro Cybertribunal, de Brasília.

Por: Fernando Neto Botelho